Quem é Steve Ditko ?
Mais de 50 anos depois de ajudar a
criar o Homem – Aranha, alguns cercam a vida de Steve Ditko, como sua briga com
Stan Lee e a controvertida saída
da Marvel.
Uma das mais misteriosas e incompreendidas personalidades na
história dos quadrinhos, o co-criador do Homem – Aranha, Steve Ditko vive hoje
recluso, como uma espécie de Howard Hughes genial que resolveu se isolar
completamente da sociedade. Já o acusaram até de ter se tornado um fanático,
devotado a uma espécie de seita que teria feito uma lavagem cerebral em sua
mente, levando – o a deixar a “Casa das Idéias”. Também o descreveram como um
sujeito rude e briguento e encrenqueiro.
Em resumo, muitos acham que sabem tudo sobre Steve Ditko. Mas
a verdade é que não sabem nada.
Ditko que completará 77 anos no dia 7 de novembro,
simplesmente não existe – pelo menos não na forma estranha como é retratado.
Para todos os efeitos, ele é a maior lenda urbana do mundo dos quadrinhos.
Todos conhecem uma história a seu respeito, a maioria das quais foi passada de
amigo para amigo.
A frustrante realidade é que poucas pessoas conheceram de
fato Ditko, e ele não costuma se abrir com a imprensa. Nunca. Não porque faça o
tipo anti-social , malucão ou excêntrico, mas porque é extremamente reservado,
a tal ponto que deixaria orgulhosas celebridades reclusas como o ator Paul
Newman, o lutador Joe DiMaggio e o escritor J.D Salinger. De fato ele respondeu
aos muitos pedidos de entrevistas da Wizard
com um simples bilhete manuscrito dizendo: “Não estou interessado”.
Se não fosse por ocasionais cartas aos editores ou a coleção
particulares mostradas em fanzines, não teríamos ouvido falar absolutamente
nada desse gigante dos quadrinhos, um homem alto, magro que lembra mais um
comerciante do interior do que uma lenda viva.
Que Ditko merece ser conhecido como uma lenda viva é
indiscutível. Suas contribuições aos quadrinhos incluem o Doutor Estranho,
Questão, Shade, O Homem Mutável, Rapina e Columba, Rastejante e, claro, o Homem
Aranha.
Além disso, existe algo mais que você queira mesmo saber?
Não para ser Ditko. Há muito tempo ele acredita que seu
trabalho fala por si só, e a história provou que tem razão. Cerca de 40 anos
atrás, o autor deu forma o Homem-Aranha, o personagem que ainda hoje possui o
visual mais legal de todos os Super-Heróis.
Quatro décadas depois de seu último trabalho ao lado do
co-criador do personagem Stan Lee, na revista Amazing Spider-Man, as bases que
Ditko lançou ao criar o amigão da vizinhança mostraram-se valiosas quando da
criação da badalada linha Ultimate, o bem sucedido renascimento do gênero
liderado pelo – adivinhe – Homem Aranha.
Se reconhece o impacto
que teve nos quadrinhos, nunca saberemos, pois Ditko manteve silêncio absoluto
sobre o Homem Aranha ( e seu papel na criação do herói ) por mais de 30 anos,
até que, no final dos anos 90, resolveu apagaras injustiças criativas que,
segundo ele, Lee teria levantado contra o artista nos anos que se seguiram ao término
de seu relacionamento profissional.
No periódico de Robin Snyder, chamado The Comics, Ditko
admitiu ter redigido uma nota – em 1966 – na qual reafirmava seu envolvimento
com o Homem Aranha, porque acreditava
que Lee queria receber sozinho o crédito de ter criado o personagem.
“Eles e (e outros ) não tinham interesse de verdade em
validar para mim o título de criador “, escreveu Ditko.
A resposta de Ditko veio na forma de dois artigos intitulados
Tsk Tsk 1 e Tsk Tsk 2, mistura de prosa e desenhos, lançados pelo artista em
1999 e que questionavam a base dos fatos “em que algumas pessoas” – Lee, entre
elas – “falam escrevem e alegam que o Homem Aranha é a criação de um só
individuo”.
Lee respondeu por intermédio de uma carta aberta: “Eu sempre
achei que Steve Ditko era o co-criador do Homem Aranha... Desde o primeiro
quadrinho, ele criou e estabeleceu o ambiente perfeito para o persongem... Ele
gostava tanto de contar histórias que acabou fazendo a maioria dos roteiros de
desenhos, enquanto eu, é claro continuei a escrever os diálogos e
recordatórios. Estou escrevendo isso para assegurar que Steve Ditko merece, com
justiça, o crédito para o qual é apontado.”
O esforço de Lee só piorou as coisas. Ditko retrucou com o
artigo “ Eu sempre achei “, publicado em
“The Comics”, dizendo “achar” significa ponderar, considerar, examinar, etc...,
e não admite nem afirma que Steve Ditko é o co-criador do Homem Aranha”.
Embora possa parecer o contrário, Ditko não está interessado
em conquistar a fama por sua participação na origem do Homem – Aranha. Ele só
quer deixar claro que ninguém terá – ou roubará – o crédito por algo que não
merece. Isso diz respeito à sua crença na corrente filosófica conhecida como
Objetivismo.
Conforme defendido pela escritora Ayn Rand, o Objetivismo
define a maneira que um homem deve pensar e agir se quiser levar uma vida
respeitável. Para um objetivista, os fatos são fatos e as coisas são o que são.
Certo ou errado. Preto ou branco. Quer mereçam crédito ou não.
Hoje, Ditko é visto como um objetivista, mas ele sempre teve
um forte conjunto de crenças pessoais. Nunca gostou por exemplo, que tirassem
fotos dele, e evitou a todo custo que as incluíssem na antiga sessão Marvel Bullpen,
publicada nas revistas mensais. Muito menos gosta de autografar seus trabalhos.
“As pessoas costumavam
mandar gibis para ele autografar e ele os devolvia com uma carta explicando que
não fazia isso “, relembra a recepcionista de longa data da Marvel, Flo
Steinberg.
À medida que o padrão filosófico de Ditko evoluía, Lee
recorda que seu parceiro foi se tornando mais anti-social.
“Pouco a pouco, ele foi se tornando hostil”, afirmou o
roteirista numa entrevista publicada em Comics : Between the Panels. “Em vez de
trazer sua arte pessoalmente, a enviava por meio de um mensageiro”.
As lembranças de Ditko diferem. Na edição de julho de 2001 de
The Comics, ele afirmou que foi Lee quem resolveu cortar contato; e questionou
a ideia há muito difundida de que uma briga envolvendo o Duende Verde foi o
motivo de sua saída da Marvel.
Segundo a versão conhecida, quando chegou a hora de
desmascarar o duende, Lee pretendia surpreender os leitores com uma revelação
bombástica, relacionando o inimigo a um personagem que os fãs pudessem
reconhecer facilmente. Ditko queria que o vilão não tivesse nenhuma ligação com
Peter Parker, e achava que seu alter ego devia ser desconhecido, uma pessoa
qualquer das ruas, pois é assim que a maioria dos crimes ocorrem.
De acordo com Ditko, a decisão de Lee de cortar o contato
impossibilitou que isso acontecesse de fato: “Stan nunca sabia o que minhas
histórias do Aranha ou minhas capas continham antes do editor pegar o material
comigo ... Sendo assim, não poderia haver nenhum desentendimento ou
entendimento, nenhum problema entre nós com relação ao Duende Verde, ou
qualquer outra coisa, antes de eu terminar.”
Tenha ou não ocorrido uma briga envolvendo o D uende, uma coisa é certa: Ditko foi
embora.
O historiador de HQs Greg Theakston, que as vezes visitava o
estúdio de Ditko, descreve o titulo Amazing Spiderman como “ um trabalho
extremamente autobiográfico “ para o artista e especula a respeito da
influência do Objetivismo na saída dele da editora.
“O Homem Aranha foi a culminação de tudo que Steve Ditko
havia feito até aquele momento. Eles tinham ligações pessoais pessoais com o
personagem”, afirmou Theakston. “Quando as pessoas começaram a manipulá-lo para que trouxesse um pouco mais de romance
às histórias e mudasse o rumo, Ditko se sentiu esmagado”.
Nessa revista , ele depositou mais de sua personalidade de
sua história de vida do que tudo que já havia feito, e ela se tornou um sucesso
incrível entre os leitores, mas as pessoas queriam lhe dizer como devia
fazê-la”, enfatizou.
Theaskton sugere que a descoberta do Objetivismo por parte de
Ditko amplificou o efeito da “interferência” da Marvel.
“Num dos melhores livros de Ayn Rand, The Fountainhead, um
persongem chamado Howard Roark é um arquiteto. Ele constrói um arranha – céu
espetacular, mas devido à interferência das pessoas com quem estava
trabalhando, a obra transformou-se num horrendo tributo ao trabalho coletivo,
que nem sempre é a melhor coisa”, afirma Theakston. “No final, Roark o
implode.”
“Podemos ver as semelhanças entre as duas histórias: um
criador bola algo magnífico, sofre interferências e acaba detonando sua
criação. É a metáfora de Steve Ditko na Marvel.”
A teoria de Theakston não até a única que surgiu para
explicar a saída de Ditko da Casa das Ideias, mas pode se dizer que sem
qualquer colaboração direta do artista – o que, pelo jeito, não acontecerá –
nenhuma dessas interpretações provará ser mais do que mera especulação.
“Eu sei por que deixei a Marvel, mas ninguém mais neste
universo soube ou sabe “, Ditko escreveu em The Comics.
Enquanto isso, Stan Lee mantém uma postura conflitante.
“Certo dia, ele simplesmente disse que
não iria mais fazer o gibi”, declarou em Comics : Between The Panels. “E nunca
me disse por quê.”
A saída de Ditko chocou a todos. Incluindo John Romita Sr,
que estava começando sua fase clássica
em Amazing, e acreditava que o artista original da revista logo retornaria.
“Pensei que fosse algo temporário que logo ele estaria de volta”, afirmou
Romita. “Nunca imaginei que alguém fosse abrir mão de uma revista de tanto
sucesso. Eu dizia pra mim mesmo: “Um dia desses, ele vai voltar”. Mas ele não
voltou.
Ditko retornou para a Charlton Comics, onde reviveu o Capitão
Àtomo e o Besouro Azul e criou o
Questão. Foi então, talvez estimulado por sua saída intempestiva da Marvel, que
o mistério e os rumores a seu respeito vieram a tona.
O catalisador de algumas das lendas a respeito de Ditko pode
ter tido origem no seu trabalho com o Questão. Mas do que qualquer outro
personagem, o combatente do crime sem rosto refletia as crenças objetivistas do
artista. Numa das suas histórias mais contundentes, o personagem deixa que uma
dupla de vilões se afogue nos esgotos.
“O questão poderia ter salvado os dois”, relembra o veterano
editor da Charlton e da DC Dick Gordano, na edição de agosto de 2000 da revista
Comic Book Artist: “Ele não os matou, mas permitiu que morressem, dizendo
alguma coisa do tipo ‘Estamos melhor sem eles’”.
O roteirista Steve Skeates disse ao Comic Book Artist que
Ditko expressava um certo desprezo por suas escolhas de palavras.
“Eu teria colocado o Questão dizendo aos vilões: “Bem meu
amigo você não me impressionou muito”, explica o roteirista. “Ditko enviou para
mim uma carta de seis páginas explicando por que o Questão jamais chamaria um
vilão de ‘meu amigo’.
Em 1968, Ditko levou seus talentos - e crenças – para a DC , que o considera um
dos “50 nomes que tornaram a DC uma grande editora”. Lá passou a trabalhar com
personagens como Rastejante e os heróis diametralmente opostos Rapina e Columba.
O roteirista Denny O´Neil foi parceiro do artista na fase do
Rastejante e o descreve como um dos quatro ou cinco melhores narradores visuais
que o quadrinhos já tiveram”.
Profissionalmente, existem pouquíssimos artistas com que eu
gostaria de trabalhar além de Steve”, afirmou O´Neil. Ele virtualmente, é um
sujeito sem qualquer problema de ego, no sentido de que tudo que deseja é
contar a história, não se exibir”.
Um tributo e tanto a Ditko, considerando-se que O´Neil admite
que ele e o artista “jamais procuraram
trabalhar juntos”.
“Steve tinha um sistema filosófico e um conjunto de crenças
com as quais estava completamente envolvido, mais do que qualquer pessoa que eu
tenha conhecido”, observou O´Neil. “Havia momentos em que ele não conseguia
desenhar certas cenas, porque sentia que não estávamos sendo fiéis ao conceito
de herói. Então me dizia o que ia e o que não ia fazer. Se não conseguíssemos
chegar a um acordo tudo bem, sem ressentimentos.”
Ditko regressou à Marvel no final dos anos 70 canalizando
seus talentos artísticos para alguns dos mais incomuns títulos da editora como
Micronauts, Rom, Speedball, Machine Man. Sua lenda o precedeu.
O primeiro contato de Tom de Falco com o artista pegou o
roteirista completamente de surpresa. Ele havia acabado de assinar contrato
para fazer Machine Man, quando o editor o informou que o desenhista responsável
pela revista, Ditko daria uma olhada no argumento para decidir se permaneceria ou não.
“Recebi uma ligação de Steve”, recorda Falco murmurou algumas
respostas os dois passaram a discutir todo tipo de questões profundas relativas
a heróis. Foi uma discussão realmente filosófica do tipo que De Falco não
participava desde que deixou a faculdade.
No começo ele parecia ser um sujeito tímido e inseguro, mas
apartirde certo momento , percebi que estávamos gritando um com outro “, diz.
Ao desligar o telefone, De Falco se sentia completamente
exaurido, e não acreditava que tinha passado quase duas horas discutindo com o
sujeito que foi um dos criadores do Homem Aranha e que certamente, não ia
querer desenhar as aventuras do Homem Maquina.
Para a surpresa do roteirista, Ditko não desistiu do
personagem e focou no titulo até o fim. Atraves dos ano, a dupla continuou tendo
o que De Falco chama de discussões malucas que algumas vezes não tinham absolutamente nada a ver com
gibis.
Descobri que Steve é um sujeito muito inteligente, bem
articulado e extraordinário cheio de idéias na cabeça, afirma. Algumas delas,
eu achava malucas, outra faziam sentido.
Durante a década de 80, Ditko foi saindo gradativamente da
cena dos quadrinhos mesmo quando permaneceu na Marvel , onde ainda era
considerado uma lenda.
O editor-chefe da Top Cow, David Wohl, editor assistente da
Marvel numa das revistas de Ditko na época. Chuck Norris and His Karate
Commandos, relembra a agitação que acontecia sempre que o artista aparecia na
redação.
Eu lembro das pessoas dizendo o quanto era misterioso, mas
era diferente pra nós, pois estávamos trabalhando com ele”, explica.
Wohl ficou impressionado com a dedicação de Ditko ao trabalho
e observa que o artista “ sempre pensava muito a respeito dos desenhos “.
“Quando ele apontava para as coisas suas mãos ficavam na mesma posição que
desenhava as do Homem Aranha”, diz “Ditko apontava os dedos da mesma forma que
o Aranha apertava os disparadores de teia com o indicador esticando a palma
para baixo.”
Ao artistas atuais ainda tomam o trabalho de Ditko como
referência, buscando pistas visuais para descobrir como movimentar o homem
aranha, como colocar o escalador num prédio e como jogar o Doutor Estranho em
outra dimensões.
“Ele criou um estilo visual ao qual as pessoas ainda se
referem como sendo “Do Ditko “, afirma, Ralph Maccio
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