segunda-feira, 10 de setembro de 2012

BATMAN A SÉRIE DOS ANOS 60


DARK KNIGHT | A SÉRIE DOS ANOS 60


“Essa matéria é dedicada a todos os vilões, sem eles Batman estaria desempregado.”
Em 1965, os Estados Unidos eram regidos pelas mãos do presidente Lyndon Johnson. A rede televisiva ABC, uma das maiores do país, projeta, para o nobre horário das 19h30, uma série televisiva baseada em histórias em quadrinhos, tendo uma personagem herói, capaz de seduzir o telespectador a ponto de ele continuar com a emissora até o fim da noite.
Uma pesquisa encomendada mostra cinco candidatos ao seriado. Os personagens quadrinhescos apontados por ordem de preferência pelos entrevistados foram Dick TracySuper-HomemBatmanBesouro Verde e a pequena órfã Annie. Destes cinco, sairia alguém que transformasse o leque de seriados veiculados até então, como LassieA FeiticeiraPerdidos no EspaçoZorroBat MastersonBonanza e outros que não chegaram ao Brasil, em concorrência desprezível.
O campeão e o vice das pesquisas, Dick Tracy Super-Homem, acabaram se tornando inviáveis pela dificuldade e preço pela cessão dos direitos de filmagem. Batman foi o eleito. Provavelmente, a National Periodicals, dona do passe, não imaginava o achincalhe que um de seus heróis mais nobres ia sofrer, no ano seguinte. A emissora ABCcontratou então o competente produtor executivo William Dozier para tornar o projeto exeqüível. A resposta dele foi um soco no estomago das pretensões.
Francamente, eu nunca ouvi falar de Batman. Eu não lia quadrinhos quando pequeno, mas topo“.
E, para isso, comprou dúzias de revistinhas, a fim de conhecer melhor o cruzado encapuzado.
A falta de intimidade entre o herói, criado por Bob Kane em 1939, dentro de uma ótica de desenho expressionista, e com argumento de Bill Finger, desentrelaçou qualquer envolvimento afetivo entre o produtor Wiliam Dozier e o mito do herói. O Batman dos quadrinhos era um homem comum, inteligentíssimo, sem poderes paranormais e auxiliado pelo menino-prodígio Robin, um ex-acrobata de circo que traria força extra no combate violento aos vilões e ao mal de Gotham City - cidade fictícia claramente alusiva a Nova York.
Então, qualquer um que gostasse um mínimo da dupla dinâmica, em 1965 fazendo 26 anos de idade, teria escrúpulos em parodiá-la a si própria num seriado televisivo. Foi o que Dozier fez. Brilhantemente. A ponto de provocar o comentário irado de um professor de psicologia daUniversidade de Duke, Doutor David Singer, tentando explicar a popularidade do seriado entre adultos:
O ser humano herói, que eles adoraram nos anos 40, é agora um ridiculozinho, e as risadinhas vêm do possível controle sobre a insegurança e os desejos da longínqua infância“.
Menos acadêmica á do editor da revista “The New Yorker”, Michael Arlen:
É um programa ligeiro, certinho, cheio de piadas engraçadinhas e com roupas ridículas, e que, no mínimo, um par de gracinhas poderia passar como boas numa noite chuvosa“.
Setores da intelectualidade norte-americana rechaçavam a possibilidade de entender o que a série queria passar. E, para passar essa crítica aos costumes e comportamentos da época, William Dozier tinha uma alternativa, pensada por ele mesmo.


Tirou da casaca a estética camp, ou tudo aquilo que, de tão bizarro e grotesco, torna-se surpreendentemente bom. Tanto Dozier quanto o roteirista Lorenzo Semple Jr. rechaçavam a idéia de adaptar “Batman” para a TV de uma maneira seriíssima. E, para isso, se convenceram de que o camp era a única maneira de “Batman” fazer sucesso. “Seria uma maneira de torná-lo atraente para a gurizada menor, e instigante e divertida para adultos“, disse Dozier, naqueles idos de 65. O roteirista Lorenzo, baseado nas velhas novelas radiofônicas norte-americanas, bolou uma estrutura fixa para a série.
Sempre dois capítulos, sendo que o primeiro episódio terminaria com um clichê barato de armadilha absurda, narrado por uma voz imperiosa e presunçosa, cheia de ironia que, no caso, era a do produtorWiliam Dozier, que perguntava qual o destino final e convidava a todos para a continuação do episódio.
Será que nossos heróis morrerão congelados?” – “Um fio de esperança não surgirá de seus cérebros?” – “O mundo se verá livre de seus dois mais destemidos defensores?” – “Não perca o final desse eletrizante episódio na mesma bat-hora e no mesmo bat-canal“.

E QUEM SERIAM OS ATORES DESSA AVENTURA TELEVISIVA?

Para fazer o Homem-Morcego, o primeiro ventilado foi o ator Ty Hardin, especializado em filmes westerns. Em vão, estava indisponível. Surgiu o nome de Adam West, um ex-surfista, ator de segunda linha, com voz e maneiras quadradonas e canastronas o suficiente para destroçar o fenótipo do herói lindão.
Para completar, seu físico era o de um americano normal acostumado a comer hamburgers e cervejas, cheio de excessivas gordurinhas na barriga. West foi avisado pelo produtor Dozier de que não seria nenhum Cary Grant, e sim um idiota engraçado. Apesar do estereótipo intencional, não faltaram críticas, como a do editorial jocoso da revista “Newsweek” durante a exibição da série, que o chamou de “caricatura balofa e débil de um garotão de praia“. Bem-humorado, West escreveu ao órgão de imprensa, dizendo:
Aceitem meus agradecimentos pelos elogios à minha condição física como Batman. Logo depois de ler o artigo, corri para um vizinho amigo, que é médico, que me garantiu, que eu não tinha um quilinho a mais e ser uma boa base para efeito de vídeo. E, tenham certeza, eu não sou o Super-Homem, e sim Batman. Saudações“.
Já o pequeno e magro Robin, companheiro e parceiro, não teve os mesmos problemas. Vivido por Burt Ward, um ex-lutador de caratê sem experiência televisiva e que, assim que entrou no escritório da produção, foi aceito como o ator procurado, recebeu poucas críticas quanto ao estado físico. Escolhidos os outros papéis, como o do mordomo Alfred,Tia HarrietComissário GordonChefe O “Hara e eventuais vilões, era hora de gravar o episódio piloto, que acabou sendo considerado o melhor de todos”. “Hi Diddle Riddle/Smack in the Middle” custou 300 mil dólares, orçamento caríssimo para uma produção televisiva em 1966, e estreou no dia 12 de janeiro.
Paralelo à estréia, um coquetel regado a pipocas, num teatro em Manhattan, recebia, via batgarçonetes, personalidades ilustres de então, como o ator Roddy McDowell - que, mais tarde, participaria de um episódio vivendo o vilão Traça – e o artista plástico Andy Warhol, guru de toda uma década, para verem o primeiro episódio. Adoraram e riram a cada cena clichê, mas como o resto da América reagiria àquela chacota televisiva de um super-herói consagrado? Em menos de um mês, “Batman” era o primeiro em audiência.

O PRIMEIRO EPISÓDIO

Afinal, como não assistir a seqüências geniais, como a do primeiro episódio: começa com oComissário Gordon e seus inúmeros policiais impotentes recorrendo ao telefone vermelho da delegacia, que esta ligado diretamente à Mansão Wayne, onde vivem Bruce Wayne Dick Grayson, verdadeiras identidades da dupla dinâmica. O mordomo Alfred atende ao telefone e vai chamar o patrão, que se encontra no meio de uma reunião de doação de fundos, provenientes dos cofres da Fundação Wayne, a alguma causa nobre.
A desculpa utilizada por Bruce para abandonar a sala é incrível: “Desculpem, senhores, acabo de me lembrar que combinei pescar com meu pupilo Dick“, e vai atender ao telefone. Minutos mais tarde, tentando encontrar o vilão CharadaBatman Robin estacionam o batmóvel defronte a um night-club. Robin é barrado por ser menor de idade, e fica no carro, mas acompanha tudo por um monitor interno no painel.
Ao transpor a porta da boite, Batman vê-se no meio de gente colorida dançando freneticamente o batusi, um ritmo da moda que estava por vir por causa do seriado que estourou de vez. O garçom, solícito, chega perto do morcego e, educadamente, pergunta: “Boa-noite, Batman, gostaria de uma mesa especial?“, e vem então a brilhante resposta de um homem fantasiado de cinza e azul, com uma máscara de orelhinha e uma capa esvoaçante: Não, muito obrigado, mas eu não quero chamar a atenção.
Dirige-se então ao bar e, delicadamente, pede um suco de laranja duplo. Mas o barman era o cúmplice do Charada e, segundos depois de sorver alguns goles. Batman sai dançando loucamente o batusi, meio doidão com alguma droga contida no suco, e despenca no chão. Depois de reanimado, volta ao batmóvel e percebe que seqüestraram Robin.
Entra tresloucado e berra para que o guarda saia da frente, raptaram seu companheiro. Mas recebe a advertência: “desculpe, Batman, mas você não pode dirigir nestas condições“. E o herói: “Certo, guarda, tome as chaves“. As gargalhadas que ecoaram de costa a costa nos Estados Unidos seriam responsáveis pelo começo de uma mania. A batmania.
Numa primeira olhada, parece uma série inocente e cheia de mentiras. Mas Batman vem permitindo aos seus fãs releituras das aventuras e mensagens críticas contidas nas falas e personagens. São pratos cheios de códigos e símbolos à espera de interpretações comunicacionais. Brilhante é um bom adjetivo para a série. Ironizando toda a estrutura sólida dos roteiros tradicionais de super-heróis, usa, através de uma linguagem de histórias em quadrinhos personagens caricatas e representativas de vários estereótipos. O cinto de utilidades brinca exatamente com o avanço desenfreado da indústria do consumo descartável.
Há cenas impagáveis, como as leituras nonsense do sabe-tudo Batman em cima de mensagens completamente herméticas do bat-computador. Num momento histórico, onde o medo pelo domínio da máquina sobre o homem assustava puristas, o morcegão demonstrava a superioridade de sua inteligência. A estrutura do roteiro é elogiável, várias cenas foram filmadas sem tripé, e determinadas passagens eram reeditadas, como a saída da batcaverna e a chegada ao Departamento de Polícia.
Propositadamente, a historinha era a mesma em quase todos os 120 episódios duplos que foram ao ar entre 1966 e 68 nos EUA. Começa com algum crime, a autoridade policial inócua, encarnada peloComissário Gordon e sua legião de guardas ultrapassados, é informada pelo telefone da ocorrência e, sem pestanejar, ignoram sua impotência, ligando via linha direta – o telefone vermelho (alusão ao telefone que ligaria Moscou a Washington) – para a Mansão Wayne. O mordomoAlfred ou Bruce Wayne atendem, Dick Grayson chega junto, e a pequena estatueta de Shakespeare é degolada, sendo acionada a porta secreta, onde os dois bat-postes personalizados os levarão a batcaverna (o do Bruce era mais grosso do que o de Dick). A música tema, de Neal Hefti, excitava ainda mais os telespectadores, já que era rock, e entrava então a apresentação feita em desenho, como uma reverência aos quadrinhos de Bob Kane.

AS CRÍTICAS

Impossível falar e tudo o que Batman representa. Uma das coisas mais interessantes deixa cinéfilos fascinados. Todas as vezes, sem exceção, em que a locação era no esconderijo de algum vilão, a tomada da câmera era feita com o tripé desvinelado. O eixo era desviado, e a imagem saía torta na tela. Claro, os ladrões eram elementos desnivelantes. Vê-se que nem só a literatura dos anos 60 acoplava psicologia e sociologia a seus elementos de ficção. O cameraman Howard Schwarts, responsável pela série, confirma isso. “Ângulos tortos eram propositais e exclusivos, para dar o efeito na casa dos vilões. E ajudava ainda mais a ressonância das onomatopéias inseridas. Cada ZONC!, ZAP!, POW! Era calculado“, diz ele ao livro “Fantastic Television“, de Carry Gerani.
O sucesso da série foi tanto que, quando a ABC resolveu, um dia, colocar no ar uma transmissão do vôo da nave GEMINI V, choveram telefonemas implorando e exigindo a volta de “Batman“. José Wolf, em 19/02/67, no Jornal do Comércio, comentava o fato:
É uma psicose coletiva. As aventuras inconseqüentes e delirantes de Batman foi uma opção ostensiva por um tom de glosa, enfocando-o numa linha de sátira caricaturizante, em parte responsável pelo fenômeno psicótico de uma civilização intoxicada pelo ópio do bem-estar sócio-econômico“.
O jornalista Roberto Rios, do Jornal da Tarde, dá uma bofetada no termo “inconseqüente” dado por Wolf.
Era uma época de desprezo pela violência, as passeatas contra a inútil guerra do Vietnã, os movimentos pelo “Flower Power” e a paz e amor pediam por um super-herói que, de tão sério, se tornasse, na sua veemência, simplesmente ridículo. Foi esse reacionário discurso que Batman fazia em favor das grandes instituições, elogiando o trabalho e a honra pessoal, e moralizando sobre os perigos das más-companhias, que os jovens intelectuais universitários souberam, em poucas semanas, entender. Por trás da verdadeira máscara de Batman estava um violento e engraçado cinismo, pois nosso herói não passava de um palerma fantasiado que, junto com seu pupilo Robin, lutava para manter a ordem e proteger os cidadãos de Gotham City“.
Sobre a tal Misoginia, Sérgio Augusto afirmava convicto, em 1967, no Jornal do Brasil, que :
Bruce Wayne e Dick Grayson vivem como sibarsitas numa casa luxuosa, cercada de flores. O psicólogo Frderic Wartham extraiu desses pequenos detalhes domésticos algumas conclusões surpreendentes. A Mansão Wayne seria o nirvana do homossexualismo, o paraíso da vida em comum de dois homens que se estimam e se satisfazem“.
O escritor e humorista Jules Feiffer, em seu livro:
The Great Comic Book Heroes“, revela não acreditar que apenas os homossexuais desprezam a mulher. “Batman e Robin – diz Feiffer – são um legítimo prolongamento daquela masculinidade misantrópica que se manifesta em todas as formas de passatempo na América“.
Tudo isso ficou tão forte no seriado que o Homem-Morcego nunca mais conseguiu se livrar desse fardo. Um raro caso que a piada acabou se tornando uma realidade. O criador Bob Kane morreu com essa mágoa com os produtores da série, que acontece bem no meio de uma revolução sexual. Bruce Wayne é um homem muito bem resolvido. Dá suas tímidas cantadas na Mulher-Gato, por quem nutre uma paixão, vai para a cama com uma milionária – como no episódio em que ele entra num quarto a propósito de comer biscoitos com leite, e se dirige à câmera, dizendo à mulher: “Não posso viver somente na luta contra o crime“, – e tem Robin um aprendiz sexual que pode satisfazê-lo em horas solitárias. É o popular “gilette“, que joga em todas as posições. E não era isso que a revolução sexual achava ideal?

O FILME

O sucesso da série foi tão grande que foi ao ar durante 3 períodos (nos EUA os seriados são criados para durar um período de 4 meses, no qual é chamado de “Season” – Estação). Rendeu ainda um longa metragem para o cinema. Por sinal este filme tinha sido programado para ir ao ar antes do seriado. Ele funcionaria como filme “piloto” da série. Entretanto, a rede de TV ABC foi obrigada a colocar a série antes do filme, devido a baixíssima audiência de seus programas. Assim o filme foi arquivado até o fim do 1º período da série.
Mesmo sendo lançado depois do planejado, o filme auxiliou a ABC de duas formas: facilitou a venda da série para outros mercados (países) e proporcionou recursos na construção do Bat-cóptero e daBat-lancha por ter um orçamento maior.
A construção desses equipamentos era considerada muito cara, por se tratar de uma série televisiva. Tanto que, mais tarde, toda vez que era necessário a presença dos dois artefatos num episódio, os produtores usavam as cenas feitas para o filme. A Bat-cicleta também era para ter tido sua estréia no filme, mas como ficou pronta antes, foi ao ar pela 1ª vez nos episódios 21 e 22 da série (The Penguim goes straight / Not yet, he ain “t”.).
Dois meses depois de completado o filme, começaram a preparar o segundo período da série, com outros Bat-equipamentos e com inúmeros vilões novos. Porém, o enorme sucesso do 1º período não se repetiu. Assustados com a pequena queda de audiência, os produtores resolveram mexer na estrutura do programa. Ao invés de histórias divididas em 2 capítulos, criaram de 3 capítulos. Outra mudança, foram histórias que reuniam vários vilões ao mesmo tempo, já que tinha dado certo no Longa. No começo do 3º período os produtores resolveram mudar ainda mais a série.
Tentando recuperar o prestígio criaram a personagem Batgirl (Yvonne Craig). Ela ajudou a afundar de completo a série (a mesma coisa que o diretor Joel Schumacher fez com os longas dos anos 90). Era sem graça e irritava os batmaníacos. A personagem “Tia Harriet” – a atrizMadge Blake - só apareceu uma vez durante o 3º período por razões econômicas e médicas (ela morreu em 19/02/69). A história passou de duas vezes por semana para uma. Assim a tensão criada de um capítulo para o outro terminou. Com essa mudança radical os roteiristas foram limitados ao máximo de 13 personagens por episódio.
Então, depois de BatmanRobinBatgirl, com seus respectivos alter-egos BruceDick Bárbara (cada um contava como um personagem separado), AlfredChefe O”Hara Comissário Gordon, restava apenas espaço para um vilão e sua quadrilha. A audiência caiu tanto que a ABC cancelou a série. Duas semanas depois, a NBC ofereceu aos produtores e ao elenco um contrato para a realização de uma nova série, com a condição de que os equipamentos estivessem intactos. Mas era tarde demais. A ABC já tinha destruído os cenários e a Bat-caverna. Só uma nova Bat-caverna custaria para os cofres da NBC$800.000,00.
Infelizmente o atraso da NBC acabou de vez com as esperanças de um 4º período da série. Como o novo seriado em um outro canal se sairia? Ninguém sabe. Provavelmente teria sido restaurado o seu formato original e duraria mais alguns anos no topo, ou talvez piorado, transformando-se num fiasco. Entretanto, em setembro de 1969, os 120 episódios de “Batman” foram reprisados com sucesso de público. Até hoje a série é reprisada divertindo pessoas do mundo inteiro. Atualmente ela é transmitida por 217 países espalhados pelo planeta.
Toda vez que se fala na figura do Homem-Morcego, a primeira imagem que chega à nossa cabeça é de um homem gordo, de canelas finas e canastrão. Mas que sempre terá um lugar todo especial no coração dos amantes do puro e bom divertimento. Seriados como “Batman” permanecerão até o final dos tempos por duas razões bem simples. Primeiro por sua inovação técnica e pioneirismo. Segundo, devido a qualidade dos seriados atuais.
Atualmente as séries são um amontoado de clichês numa produção eficiente, em que a violência gratuita ou a comédia descartável e artificial tomaram conta do mercado (com raras exceções). Assim, enquanto esse marasmo mental permanecer nas mentes de nossos roteiristas a única alternativa que temos é assistir aos geniais e criativos episódios do passado. Como diria o “Cruzado Embuçado” ao seu fiel pupilo “O Menino Prodígio“: – Aos Bat-postes, Robin ! Tãnãnãnãnãnãnãnãnã – BATMAN !!!

COMO O MUNDO RECEBIA BATMAN?

Falar do seriado “Batman” sem situá-lo no tempo e no espaço é diminuir brutalmente sua importância, do ponto de vista da contribuição cultural que representou e de quanto influenciou gerações posteriores responsáveis pela criação na cultura de massa.
década de 60 já foi vista e revista pelos teóricos e estudiosos. Não restam dúvidas de que foi um período da Humanidade em que borbulharam delírios e idéias sensacionais que viriam a transformar o mundo e o jeito de se viver nele. Em certo capítulo, por exemplo, é simulado o seqüestro de uma banda de rock, gênero explodindo na época, e que, na verdade, eram dois irmãos com cabelos e roupas idênticas, numa crítica à uniformização pasteurizada de tal música de protesto. Os cabelos, claro, eram “á la Beatles“.
A seguir, exponho fatos históricos que influenciaram o seriado. Assim como costumes que foram automaticamente incorporados pela sociedade norte-americana, a partir de seu aparecimento em “Batman“, criando uma verdadeira batmania.
Os fatos abaixo tanto apareceram implícita e explicitamente durante o seriado. Algumas vezes os nomes das personalidades e países são trocados e aprecem bem disfarçados. Um exemplo: a revolta universitária francesa em Nanterre. Num episódio, a Mulher-Gato ingressa na faculdade e chefia uma revolução de alunos contra as autoridades. O legal é ler os itens abaixo e procurá-los nos episódios.
  • Fundada a UNITA em Angola. Bruce Wayne ensina a Dick Grayson que a boa vizinhança com os países amigos da América Latina é a melhor opção para os Estados Unidos.
  • Começa a intervenção direta dos EUA no Vietnã. Batman é contra este tipo de ato político, apesar de que ele sempre faz isso discretamente.
  • A Inglaterra esta avante no modernismo cultural e teatral com o Living Theater.Aliás, em certo episódio, Mulher-Gato entra no Consulado Inglês e, no meio do papo, diz ao cônsul: Não são os ingleses que gostam do modernismo?”.
  • A Pop Art, que esta muito ligada à estética colorida e surreal do seriado e seus cenários, insere ou transforma objetos preexistentes em obras de arte, ou propõe a mobilização estética de fenômenos atuais e populares substituindo a sacralidade tradicional da obra de arte eterna pelo conceito novo do objeto perecível, fruto da moderna indústria de consumo. Liechenstein é o artista que mais se aproxima das alusões às histórias em quadrinhos. Batman também, tanto que usurpou a onomatopéia para suas batalhas - BAM! POW! BRIFF! CAPOFF! SOC!.
    No desenho industrial, a escola alemã Bauhaus estuda as relações individuo / ambiente, procurando objetos os mais práticos possíveis. O cinto de mil e uma utilidades, com suas especificidades de artefatos, é uma alusão.

    A idéia é mais importante do que a expressão.
     Land-art, body-art, performance e high-tech, neo-realismo, hiperrealismo, minimal-art e arte conceitual. Batman conseguiu um realismo fantástico, high-tech.
  • O cinema, gradualmente, vai se tornando inconformista, focalizando temas desagradáveis para a sociedade burguesa, como o conflito de gerações, injustiça social, sexualidade e preconceitos. Batman mexe com tudo isso sob um prisma cruelmente irônico.
  • Pululam discotecas. No primeiro episódio da série, Batman cria a bat-dance. Os jovens incorporam o estilo nos EUA.

    A estilista Leslie Hornby (Twiggy) escandaliza o mundo com a mini-saia
    , vestuário sempre presente nas mocinhas de Gotham City.
  • Em San Francisco, as primeiras aparições hippies, e que também foram citadas de forma caricata, já prevendo o que a indústria cultural faria mais tarde com o fenômeno.
  • Foi a década que glorificou o consumismo e o kitsch. Basta assistir a um episódio de Batman e ver que isso esta muito bem inserido e refletido.
  • O dadaísmo ressurge. É a prática de elevar objetos sem valor à dignidade artística, numa atitude de repúdio às normas estéticas e sociais vigentes.
  • As artes plásticas ainda estão sob o efeito do surrealismo.
  • Numa boite americana, Carol Doda se torna a primeira garçonete a servir os fregueses homens. Sinais da tal revolução sexual.

UMA LEITURA MAIOR NA FICHA TÉCNICA:

BATMAN – 1966 / 68 - ABC Television / NY
120 capítulos de 30 minutos cada
Produção Executiva: William Dozier
Produtor: Howie Horwitz
Roteiro: Lorenzo Semple Jr.
Diretor de Fotografia: Howard Schawrtz
Maquiagem: Bem Nye
Música: Neal Hefti
Orquestra: Nelson Riddle
ELENCO:
Batman / Bruce Wayne (Adam West)
Herói que dá nome à série. Gordo, meio desajeitado, canastrão e dono da verdade. É a segurança em pessoa, tem soluções para tudo e tem suas falas carregadas de ironia.
Robin / Dick Grayson (Burt Ward)
Menino-prodígio, inseguro, entrando na puberdade, ágil e escada teatral para Batman. É o público fiel para o Homem-Morcego.
Comissário Gordon (Neil Hamilton)
É a personificação da crise da polícia nesse século. Velho, medroso e vive pedindo conselhos. Não faz nada contra o crime, apenas agradece a Batman.
Chefe O’Hara (Stafford Repp)
É o marajá da história. Velho e encostado em Gordon, Chefe O’Hara esta ali para legitimar a insegurança do Comissário. Sãos dois bolhas policiais.
Mordomo Alfred (Alan Napier)
Silencioso e sutil, sustenta os furos que a dupla dinâmica eventualmente comete. Chegou a bancar Batman em certos episódios. Encarna o cinismo e detém o poder do conhecimento. Só ele sabe quem são Batman, Robin e Batgirl.
Tia Harriet (Madge Blake)
É a bobona da série, personalizando a própria ingenuidade das pessoas que acreditam em super-heróis. Além disso, tem tudo para saber a verdade, mas não sabe.
Batgirl / Bárbara Gordon (Yvonne Craig)
Só entrou para tentar resgatar o índice de audiência em 68, e foi a heroína mais chata que já surgiu. Não era nem um pouquinho sensual.
Mulher-Gato (Julie Newmar, Lee Meriwether, Eartha Kitt)
Aquela que era mulher de verdade. Sensual, sexy, dominadora e esperta. Corpo perfeito, dona de um esconderijo que mais parecia um quarto de motel, personifica o crime, e de quão ele é atraente para homens e mulheres. Uma mulher livre em plena revolução feminista. E era meio masoquista, já que disse: “Não importa ser presa por aqueles braços fortes dizendo ao meu ouvido – Estás presa”.
Coringa (César Romero)
Era o componente clown, cínico e malvado, ria das próprias maldades. Personificava o sadismo, já que, mesmo preso, não perdia o bom humor. Tinha muito de teatro em sua interpretação.
Pingüim (Burguess Meredith)
Maníaco por guarda-chuvas, tinha inteligência meticulosa e traiçoeira.
Era o mais vingativo.
Charada (Frank Gorshin)
Esse era genial. O próprio Narciso. Feliz com seus belos planos e odiando o amor de todos por Batman. Chegava a ser neurótica a sua interpretação vaidosa. O ponto de interrogação na blusa é uma bela idéia de questionamento da existência humana. Cultuava sua inteligência e só fazia se comunicar por charadas (por mais estúpidas que fossem).
Rei Tut (Victor Buono)
O primeiro faraó bicha velha gorda da história do Egito. Sua interpretação com uma voz melosa e tiques afeminados era hilária. Parecia que ele tinha ciúmes de Batman. Em um dos episódios ele hipnotizava Batman, forçando-o a dançar o batusi, dando uma idéia de sodomia. Podemos notar claramente os figurantes morrendo de rir na cena.
Com o sucesso da série, toda a elite do cinema queria aparecer no seriado. Atores como Gloria SwansonSteve McQueenClint EastwoodKim NovakJose FerrerFrank SinatraElizabeth TaylorGregory Peck e até Robert Kennedy, que nem era ator, queriam fazer algum tipo de participação. Mas não havia espaço para todos eles, por isso foi criado um novo quadro, o da janela. Quando Batman e Robin escalavam um prédio para chegar de surpresa até o esconderijo dos bandidos, eles encontravam-se com alguma personalidade da época, que abria uma janela e conversava com eles.
Ao todo foram 16 pessoas, Jerry LewisDick Clark, Besouro Verde e Kato (respectivamente Van Williams e Bruce Lee), Sammy Davis Jr.Bill DanaHoward DuffWerner Klemperer (Coronel Klink na série Guerra, Sombra e Água Fresca), Ted CassidyAndy DevineArt LinkletterEdward G. RobinsonSusie KnickerbockerRei dos Carpetes (que era dono de uma rede de lojas de tapetes) e Papai Noel.
O resto da lista dos vilões, sempre com participações muito especiais de atores famosos que, por muitas vezes, ganharam cachês maiores do que os de Batman e Robin:
O Arqueiro (Art Carney), Viúva Negra (Tallulah Bankhead), O Traça (Roddy McDowall), Drª Cassandra (Ida Lupino), Cabala (Howard Duff), Chandell (Liberace, o pianista), Coronel Cola(Roger C. Carmel), Cabeça de Ovo (Vincent Price), Face Falsa (Malachi Throne), Lord Fog (Rudy Vallee), Louie the Lilac (Milton Berle), Ma Parker (Shelley Winters), Chapeleiro Louco (David Wayne), Márcia (Carolyn Jones), Minerva (Zsa Zsa Gabor), Menestrel (Van Johnson), Senhor Gelo (George Sanders, Otto Preminger e Eli Wallach), Enigma (Maurice Evans), Sandman/Dr. Sonâmbula/João Pestana (Michael Rennie), Shame/Vergonha (Cliff Robertson), Sereia (Joan Collins), Leslie Gore (Gatinha), Rei Relógio (Walter Slezak), Lola Lasanha (Ethel Merman), Nora Clavícula (Bárbara Rush) e Zelda (Anne Baxter).


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