Por trás da fantasia – Problema no mundo cosplay
Como continuação do outro post, o de hoje é uma problemática
ao que cosplayers presenciam diariamente nos eventos.
Como dito anteriormente, os eventos de animes e mangás se
transformaram no principal espaço para os praticantes do cosplay, sendo muitas
vezes considerados como o paraíso para os mesmos. Afinal, existe lugar melhor
para um cosplayer do que um evento em que você pode ser quem você quiser? Um
momento em que você pode ser aquele super-herói, um grande vilão ou até mesmo
um monstro devorador de pessoas?
É assim que eu, que escrevo este texto, e muitos amigos e
amigas que tenho nos sentimos. O evento se tornou um local especial, único, um
local essencial para nossa vida. Conheci diversas pessoas que hoje considero
grandes amigos, muitos deles de outros estados, que tive a sorte de conhecer
por grupos por redes sociais, tais como Facebook e o extinto Orkut.
Lá posso ser apenas eu, sem qualquer vergonha ou receio,
posso ser a personagem que mais gosto junto de meus amigos e ter horas e mais
horas de pura diversão. É uma sensação única, de envolvimento, de liberdade.
São momentos que me sinto em outro universo, que sou chamado não pelo meu nome,
e sim, pela personagem que estou vivendo. Eu sou Amy, uma sobrevivente que foi
criada e devota pelos deuses de Xênia de um mundo chamado Ernas, uma dançarina
que se transformou na domadora da mitológica caixa de Pandora. Sou Terra, uma
jovem heroína com o poder de manipular o elemento que cerca nossos pés. Sou Neji,
um ninja com habilidades oculares, que luta para a liberdade da família
secundária de seu clã, que é inferiorizada pela casa principal. Também sou
Eric, Fênix, e Sakura. Posso ser, posso viver como cada um deles, basta apenas
deixar a magia acontecer.
Mas nem tudo é um mar de rosas, infelizmente, o nosso espaço
sagrado está entrando em colapso. Os problemas do mundo fora portões está cada
vez mais presente dentro do nosso reino de liberdade. Pessoas sendo
descriminadas, ridicularizadas por estarem acima do peso, por sua orientação
sexual, pela cor de sua pele.
Não importa suas horas de trabalho árduo e noites mal
dormidas para finalizar seu projeto com perfeição, não importa o quão perfeita
seja sua interpretação, sempre terá alguém que vai apontar o dedo para você e
te inferiorizar por algo que você é. Isso ocorre todos os dias, com uma parcela
colossal de pessoas, seja dentro do evento ou pela internet. O pior é quando
você passa a acreditar no que essas pessoas dizem, quando você deixa de
acreditar em si mesmo e no seu trabalho, e passa a se sentir um lixo de ser
humano, alguém que precise ser erradicado da face da Terra.
“Sempre dizem “não de importância para esses comentários”,
mas é impossível ignorar certas críticas e ofensas. Você passa meses montando
seu cosplay, super ansioso para o resultado e quando finalmente está tudo
pronto vem um e diz “Você é gorda demais para fazer a personagem! ”ou “tal
coisa não está igual…” E daí para pior, lembrando que a maioria das garotas
sofrem com comentários relacionados aos seios (o que é muito deprimente). Eu
particularmente fico muito chateada e as vezes já pensei em desistir disso tudo
mas existem aquelas pessoas que nos colocam pra cima. Um hobby cheio de regras
impostas pela sociedade, até quando?” – Karolina Reis, 18.
Gorda, anã, giganta, viado, sapatão, puta , bichinha,
macaco. Isso não passa de ser uma pequena parcela da podridão que se esconde
atrás desse mundo de fantasia. Mulheres são assediadas, tem suas partes tocadas
apenas porque acharam que mereciam ser. Cosplayers tem suas peças quebradas,
rasgadas, porque alguém achou que ele/ela não merecia estar lá.
“O maior problema que
já passei foi quando eu descobri que existe um julgamento muito diferente
quando é um cosplayer que vai comentar em fotos de outros cosplayers e quando
uma pessoa aleatória o faz. […] O cosplayer sabe o quanto tal parte da sua
roupa pode ter sido difícil de fazer, já as pessoas de fora nunca perdoam… eles
geralmente acreditam que se existe uma falha foi por total descaso do cosplayer
[…] foi quando fizemos nosso grupo de Grand Chase em 2012. Quando uma das páginas
grandes do jogo divulgou as fotos do evento foi um caos de centenas de
comentários ofensivos para os membros do grupo enquanto os cosplayers que
passavam por lá tentavam nos defender e explicar o quão difícil e detalhado era
um cosplay, e que ninguém tem que falar que está ruim só porque não atendeu a
sua ideia do personagem. […] Essa é uma atitude que precisa ser mudada
imediatamente.” – Aline Hirata, 19.
Dentro
dessa luta extensa temos pessoas que praticam o cosplay de uma forma mais política
ainda. Pessoas que dizem basta para a repressão. São os cosplayers que fazem
crossplay e gender bender.
O primeiro é o termo quando o cosplay é de um personagem do
sexo oposto e você segue fielmente. Ou seja, uma pessoa decide fazer o cosplay
de um personagem do sexo oposto, e com isso, faz o uso de maquiagem e qualquer
outro adereço para simular o corpo e feições do outro sexo. Também temos o
gender bender, que é o termo utilizado quando uma pessoa também decide fazer o
cosplay de um personagem do sexo oposto, mas, invés de se adaptar para o
personagem, ela o adapta para ela. Ou seja, transforma o personagem para o sexo
oposto.
[…] vc ta ali , lindo
e foda, as meninas gritam quando te veem, os moleques piram , ai vc abre a boca
“Aaah vc é menina!” e ai vc todo sem jeito e mal tem q soltar essa “Não, eu sou
um pre-transhomem… ” ai as mina te olha
com repúdio e os moleques crescem os olhos… Dai ce vai no camarim com o
pensamento “se eu for no feminino, vou brisar nas mina, se eu for no masculino,
os moleques vão querer mexer comigo, msm eu tendo mais pegada q eles… ” […]
Queria de vdd viver num mundo onde gênero não fosse aplicado, onde moleque
pudesse brincar de boneca e menina de carrinho, sem ninguém perturbando a
escolha da criança. O mesmo vale pro mundo cosplay, não é pq é menina q tem q
fazer cos só de mulher, e nem pq é menino q só tem q fazer cos de homem… […] –
Leonardo Angel, 21.
*Cos = cosplay
Por trás
de cada sorriso, de cada olhar de um cosplayer, saiba que não são olhares de
alegria, são olhares de esperança. São olhares de luta. Olhares de
persistência. Olhares de fé. Fé em um dia que não tenhamos mais que fazer parte
de um padrão, que a nossa persistência não seja necessária, de que no futuro,
nossa luta tenha acabado porque nossa esperança foi forte o bastante para
aguentar tudo e continuar lá, continuar lutando para você continuar fazendo o
que você ama.
Essa foi a primeira problemática em relação ao meio cosplay,
em outro momento compartilho com vocês outro texto que fiz em conjunto com uma
amiga, também na graduação de Museologia.
Publicado por Noka
23 anos, Carioca, cosplayer guia de turismo e estudante de Museologia.
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