quarta-feira, 27 de abril de 2016

GUERRA DE EGOS

GUERRA DE EGOS
Em quase todas as listas de fãs, Stan Lee e Jack Kirby figuram como os maiores criadores de super-heróis de todos os tempos. Para a maioria, a dupla é simplesmente imbatível. Entretanto, para muita gente, Lee não passa de um aproveitador do talento alheio, enquanto outros consideram Kirby um mercenário mal agradecido. Tudo isso teria sido motivado por declarações mal colocadas a imprensa e a muitas fofocas de bastidores. Em algum momento, o espírito de coleguismo que imperou na redação Marvel dos anos 1960 se perdeu nessa batalha de egos, que ainda envolveu outros nomes importantes da indústria dos quadrinhos.
Um rei valentão

Jack Kirby nasceu em 1917 e foi criado numa vizinhança barra-pesada de Nova York. Desde cedo, teve de aprender a fazer cara feia e usar os punhos para se defender de garotos grandalhões. Já adulto Kirby tornou-se desenhista autodidata e começou a perambular por vários estúdios em busca de trabalho. Foi quando conheceu Will Eisner e começou a trabalhar em seu estúdio . A amizade entre os dois foi instantânea e se fortaleceu quando um capanga truculento enviado por um fornecedor de toalhas mafioso quis cobrar um divida que Eisner não tinha. Kirby saiu de sua prancha de desenho, arregaçou as mangas e apesar da baixa estatura, chamou o gângster para a briga e o expulsou do local.

Tempos depois, o editor Joe Simon levou Kirby para a Timely ( futura Marvel ), do Publisher Martin Goodman. Lá começaram a produzir a revista do Capitão América, o título de maior sucesso da editora nos anos 1940, com cerca de um milhão de exemplares vendidos por mês. Na série , parecia que toda a revolta e agressividade interiores de Kirby eram liberadas em cada quadro, ângulo distorcido e figura humana. Os fãs adoravam. Sob qualquer análise técnica, a arte do Capitão seria reprovada mas sob a ótica dos jovens leitores, Kirby era um verdadeiro deus das HQs – ou o Rei, conforme foi eternizado nos editorias de Stan Lee a partir dos anos 1960.

Foi na Timely que Jack Kirby conheceu Stan Lee, cinco anos mais jovem e, na época um faz tudo da redação. Kirby considerava Lee intrometido e tagarela, e concluiu que ele só poderia estar ali por ser parente de Martin Goodman. “Eu achava Stan um chato. Ele estava sempre por perto, abrindo e fechando portas pra você. Certa vez até pedi pro Joe expulsá-lo da sala. Ele era uma praga”, resmungou Kirby em entrevista ao The Comics Journal 134, em 1990.
Certo dia, Goodman descobriu que Joe Simon e Jack Kirby estavam produzindo gibis para editoriais concorrentes e foi tomar satisfação. Os três bateram boca e Simon acusou o patrão de não repassar a quantia que lhes cabia referente as vendas do Capitão América. A dupla se mandou para a DC Comics  e no decorrer dos próximos 15 anos passariam por diversas editoras e até mesmo fundariam algumas. Mas a ligação de Kirby com a futura Marvel estava longe de ter fim. Enquanto isso, para ocupar a vaga de editor abandonada por Simon, Goodman promoveu Stan – ou como Kirby diria : “ a praga “.

Maravilhas Mascaradas
Todo fã conhece a história de como Stan e Kirby criaram o Quarteto Fantástico em 1961, inserindo um senso de realismo e humanidade inédito nos gibis de super-heróis até então. Daquele ponto em diante, a Marvel Comics lançou uma infinidade de criações carismáticas e bem sucedidas, como Hulk, Thor, X-Men, Vingadores... Em questão de uma década, a editora se tornou a líder do mercado e projetou Stan e Kirby ao Monte Olimpo dos quadrinhistas.



Mas nem tudo era super no mundo dos heróis. Em 1966, Jack Kirby se chateou com algumas declarações de Stan Lee ao jornal Herald Tribune. No entendimento do desenhista, Lee quis diminuir a importância de Kirby na criação das histórias. Foi a partir daí que Kirby começou a dizer que Stan Lee apenas colocava os balõezinhos nas histórias boladas por ele. Em 1970, a gloriosa parceria chegou ao fim após a DC anunciar o lançamento dos títulos de O Quarto Mundo produzidos por Kirby. A decepção de Stan Lee era patente “Jack nuca se sentou comigo para dizer que algo o aborrecia”, porém , nada mais podia ser feito.

Um dado curioso  e até bizarro, é que em quase todas as suas entrevistas Kirby levava a sua esposa Roz, que tinha o hábito de se adiantar ao marido em vários momentos, principalmente quando o assunto era Stan Lee. “Vamos esclarecer uma coisa: Jack bolava tudo nas histórias e as entregava para Stan Lee. Sei disso porque era eu quem as colocava no correio. Depois, Jack explicava para o Stan o que acontecia nas páginas, o que ele deveria fazer, e então Stan colocava os balões”, disse Roz enfezada durante uma entrevista ao jornalista italiano Claudio Piccini para a revista Comic Interview 121, de 1993. Ninguém jamais teve dúvida da capacidade criativa de Kirby e de seu talento para colocar no papel uma miríade de conceitos maravilhosos . Tanto que é seu nome batizou uma premiação nos Estados Unidos. Suas reivindicações justas quanto à devolução dos originais de seus trabalhos enfumados em algum porão úmido da Marvel  rapidamente  ganharam a simpatia de todos. Afinal, ele poderia ganhar uma grana boa vendendo aquelas pranchas – não que ele não levasse uma vida abastada, só para constar.
Depois da morte de Kirby, em fevereiro de 1994 , seus herdeiros foram aos tribunais contestar os direitos dos heróis da Marvel.  Em 2011, a justiça deu ganho de causa à editora, alegando que Kirby foi dignamente remunerado pelos serviços prestados, estando ciente que os personagens perteciam ao empregador – detalhe que vale para qualquer outro autor, inclusive Stan Lee.
Enroscos com Ditko

Em 1990, Kirby criou polêmica ao afirmar que também era criador do Homem Aranha o que deixou o desenhista Steve Ditko furioso. Kirby teria desenhado cinco supostas páginas, nuca divulgadas, e Stan Lee, desgostoso com aquela versão excessivamente glamorosa da HQ, preferiu passar o roteiro original para Ditko. “Não havia nada de semlhante entre o Aranha de Kirby e o meu. O uniforme feito por ele era diferente, parecido com o do Homem Formiga. O Homem Aranha que eu desenhei a partir de uma sinopse de Stan tinha muito mais personagens, ação e drmas complexos”, esclareceu Ditko ao History of Comics  5, de Robin Snyder , em 1990.
Ditko saiu da Marvel em 1965 , após desentedimentos com Stan Lee sobre os rumos das HQs do Homem Aranha, mas as discussões a respeito da gênese do Cabeça de Teia não pararam por aí. “Steve achava que apesar da ideia original, da história de origem, e da descrição dos personagens coadjuvantes terem partido de mim, tudo isso não teria existido de fato sem as ilustrações dele”, comentou Stan Lee em sua biografia Excelsior ! The Amazing Life of Stan Lee, de 2001. “Apesar de eu ter a minha própria opinião sobre o que realmente significa a criação de um personagem, meu respeito por Steve é tão grande, e sua contribuição para a série foi de tal importância que eu me sinto disposto a dividir os créditos chamando – o de cocriador”, finalizou Lee.
Ele e Steve Ditko estão entre os poucos quadrinhistas daquela geração ainda vivos. Lee ainda escreve as tiras diárias do Homem – Aranha para os jornais , tem participações freqüentes nos filmes da Marvel e em programas de TV, mas Ditko se isolou. Os fãs e estudiosos nunca param de especular sobre esse geniais criadores que moldaram a cultura pop da últimas décadas. Em 2012. Ao receber uma carta de uma fã perguntando sobre a criação do aracnídeo Ditko respondeu – também por carta – que o assunto é muito antigo e que ele não lembra mais dos detalhes.

Conversas no rádio
Em agosto de 1987, Stan Lee viaja a Nova York para tratar de negócios e reconhece no rádio e voz de seu antigo parceiro de produção, Jack Kirby, que por ocasião de seu 70 aniversário, era entrevistado no programa Earth Watch da WBAI. Rapidamente, Lee contata a estação para cumprimentar Kirby e entra no ar ao vivo. Após os cumprimentos e uma troca de elogios entre os dois, o roteirista brinca com Kirby: “Reparou que eu nunca interrompo quando está dizendo alguma coisa bacana sobre mim?”



O bate-papo segue agradável e com vários comentários reflexivos sobre o mercado de HQs – um privilégio para os ouvintes e fãs daquelas duas lendas vivas. Mas a atmosfera amena logo tem fim, quando um dos entrevistadores insinua que, além de desenhar, Kirby também escrevia as histórias do Quarteto Fantástico.
“Todas as palavras de diálogos nas histórias eram minhas”, Lee retruca. “De todas as histórias”, enfatiza. O entrevistador tenta se explicar para evitar embaraços, mas é interrompido por Kirby: “Posso dizer que escrevi algumas poucas linhas abaixo de cada painel “, e o entrevistador corrobora, afirmando que já tinha visto isso em alguns originais . “Essas notas nunca foram impressas nas revistas, Jack. Seja sincero e admita...”, Stan Lee responde inabalável. “Eu não tinha permissão para escrever”, confessa Kirby.
“Você chegou a ler algumas das histórias depois de impressas , Jack? Acho que nunca fez isso. Eu não acho que tenha lido qualquer uma das minhas histórias. Você estava sempre ocupado desenhando a próxima edição. Nunca leu o gibi depois de pronto”, Stan Lee atesta com firmeza, contrariando a afirmação de que é um sujeito que foge de assuntos comprometedores.
Sempre fui mais preocupado com a ação Stan. Acho que alguém escreve e desenha uma HQ isso é puramente individual. Mas eu acredito que se tivesse oportunidade, você poderia fazer tudo sozinho”, Kirby ironiza. “Jack ninguém tem mais respeito por você do que eu, você sabe bem disso. Mas creio que não sente que os diálogos sejam importantes, e acha que qualquer um pode fazer isso... que o mais importante mesmo é seu desenho. Eu não concordo, mas talvez você esteja certo”, completa Lee.
O entrevistador interrompe a conversa que segue por mais algum tempo em outra direção. “Quero dizer mais uma coisa : Jack marcou a cultura americana e, porque não dizer, mundial também. Ele tem de se orgulhar disso. Desejo tudo de bom para ele e para sua esposa Roz. Espero que daqui a uma década eu possa cumprimentá-lo novamente quando ele completar 80 anos. Jack, eu te amo”, declara Lee ao se despedir. “Bem, o mesmo aqui, Stan. Muito obrigado”, responde LKirby sem muita convicção.
    
             


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